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II - Roteiro 3
II - Roteiro 3

Metodologia e critérios utilizados na Codificação Espírita

 

Allan Kardec, como se sabe, não era um cientista no sentido profissional, de especialista neste ou naquele ramo da Ciência, mas tinha cultura científica, espírito científico. A propósito deste assunto, o escritor e jornalista espírita Deolindo Amorim, num de seus artigos dedicados ao Codificador, assim se expressa:
“Allan Kardec revela-se, em tudo e por tudo, um homem de espírito científico pela sua própria natureza... Todas as condições indispensáveis ao espírito científico nele estão, sem tirar nem pôr, como diz o jargão habitual: em primeiro lugar, a serenidade com que encarou os fatos mediúnicos, com equilíbrio imperturbável, sem negar nem afirmar aprioristicamente; em segundo lugar, o domínio próprio, a fim de não se entusiasmar com os primeiros resultados; em terceiro lugar, o cuidado na seleção das comunicações; em quarto lugar, a prudência nas declarações, sempre com a preocupação de evitar divulgação precipitada de fatos ainda não de todo examinados e comprovados; em quinto lugar, finalmente, a humildade, que é também uma condição do espírito científico, interessado na procura da verdade, antes e acima de tudo11. “
E foi esse espírito científico que o secundou, todo o tempo, no cumprimento da sua missão de Codificador da Doutrina Espírita.


1. O Espiritismo e a Ciência

1.1 Espiritismo e Ciência se completam
Espírito e matéria, de acordo com a Doutrina Espírita, são duas constantes da realidade universal. Assim, Espiritismo e Ciência não são forças antagônicas, mas, ao contrário, completamse reciprocamente, segundo o pensamento de Kardec, expresso em A Gênese: Assim como a Ciência propriamente dita tem por objeto o estudo das leis do princípio material, o objeto especial do Espiritismo é o conhecimento das leis do princípio espiritual. Ora, como este último princípio é uma das forças da Natureza, a reagir incessantemente sobre o princípio material e reciprocamente, segue- se que o conhecimento de um não pode estar completo sem o conhecimento do outro. O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente; a Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência, faltariam apoio e comprovação. O estudo das leis da matéria tinha que preceder o da espiritualidade, porque a matéria é que primeiro fere os sentidos. Se o Espiritismo tivesse vindo antes das descobertas científicas, teria abortado, como tudo quanto surge antes do tempo8.

1.2 O Espiritismo não é da alçada da Ciência
O fato de a Ciência oferecer ao Espiritismo apoio e confirmação não garante, no entanto, àquela a competência para se pronunciar em questão de Doutrina Espírita. Eis os argumentos apresentados pelo Codificador, com respeito a este assunto.

As ciências ordinárias assentam nas propriedades da matéria, que se pode experimentar e manipular livremente; os fenômenos espíritas repousam na ação de inteligências dotadas de vontade própria e que nos provam a cada instante não se acharem subordinadas aos nossos caprichos. As observações não podem, portanto, ser feitas da mesma forma; requerem condições especiais e outro ponto de partida.

Querer submetê-las aos processos comuns de investigação é estabelecer analogias que não existem. A Ciência, propriamente dita, é, pois, como ciência, incompetente para se pronunciar na questão do Espiritismo: não tem que se ocupar com isso e qualquer que seja o seu julgamento, favorável ou não, nenhum peso poderá ter9.

É importante considerar-se que, ao referir-se às ciências ordinárias, Kardec fazia alusão às ciências positivas, classificadas por Augusto Comte em: Matemática, Astronomia, Física, Química, Biologia e Sociologia.


2. O método de investigação científica dos fenômenos espíritas

O método adotado por Allan Kardec na investigação e comprovação do fato mediúnico — instrumento comprobatório da existência e comunicabilidade do Espírito — é o experimental, aplicado às ciências positivas, fundamentado na observação, comparação, análise sistemática e conclusão. São suas palavras: Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental. Fatos novos se apresentam, que não podem ser explicados pelas leis conhecidas; ele os observa, compara, analisa e, remontando dos efeitos às causas, chega à lei que os rege; depois, deduz-lhes as conseqüências e busca as aplicações úteis. Não estabeleceu nenhuma teoria preconcebida; assim, não apresentou como hipóteses a existência e a intervenção dos Espíritos, nem o perispírito, nem a reencarnação, nem qualquer dos princípios da doutrina; concluiu pela existência dos Espíritos, quando essa existência ressaltou evidente da observação dos fatos, procedendo de igual maneira quanto aos outros princípios. Não foram os fatos que vieram a posteriori confirmar a teoria: a teoria é que veio subseqüentemente explicar e resumir os fatos. É, pois, rigorosamente exato dizer-se que o Espiritismo é uma ciência de observação e não produto da imaginação. As ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas7. Apliquei a essa nova ciência, como o fizera até então, o método experimental; nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia conseqüências; dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão10.

 

3. O Espiritismo e a lógica indutiva

Na indução científica(*), chega-se à generalização pela análise das partes. Esse tipo de lógica exige observações repetidas de uma experiência ou de um acontecimento. Da observação de muitos exemplos diferentes [partes] os cientistas podem tirar uma conclusão geral12. Foi assim que procedeu Kardec em relação à Doutrina Espírita, colocando-a confortavelmente entre as demais ciências. A respeito do caminho das induções – percorrido pela Doutrina Espírita –, Herculano Pires, em seu livro O Espírito e o Tempo, infere que é a partir da observação dos fatos positivos que o Espiritismo chega às realidades extrafísicas14.

Em A Gênese, diz-nos o Codificador: Não foram os fatos que vieram a posteriori confirmar a teoria: a teoria é que veio subseqüentemente explicar e resumir os fatos7. Fica, assim, a estrutura lógica do Espiritismo caracterizada como de natureza indutiva13. No entanto, o processo dedutivo(**) está igualmente consagrado na Doutrina Espírita13, já que o método científico exige que se combinem indução e dedução. São palavras de Kardec: Nunca elaborei teorias preconcebidas; observava cuidadosamente, comparava, deduzia conseqüências; dos efeitos, procurava remontar às causas, por dedução e pelo encadeamento lógico dos fatos, não admitindo por válida uma explicação, senão quando resolvia todas as dificuldades da questão10.

As idéias do homem estão na razão do que ele sabe; como todas as descobertas importantes, a da constituição dos mundos [por exemplo] deveria imprimir-lhes outro curso; sob a influência desses conhecimentos novos, as crenças se modificaram; o Céu foi deslocado e a região estelar, sendo ilimitada, não mais lhe pode servir. Onde está ele, pois? E ante esta questão emudecem todas as religiões. O Espiritismo vem resolvêla demonstrando o verdadeiro destino do homem. Tomando-se por base a natureza deste último e os atributos divinos, chega-se a uma conclusão; isto quer dizer que, partindo do conhecido, atinge-se o desconhecido por uma dedução lógica, sem falar das observações diretas que o Espiritismo faculta1.


 

4. O controle universal dos ensinos dos Espíritos

Dois importantes critérios, igualmente tomados à metodologia científica, foram adotados por Kardec na difícil tarefa de reunir informações para a elaboração da Doutrina Espírita: a generalidade (ou universalidade) e a concordância dos ensinos dos Espíritos. Esses critérios, com o suporte do uso da razão, do bom senso e da lógica rigorosa emprestam à Doutrina Espírita força e autoridade, como podemos constatar na introdução de O Evangelho Segundo o Espiritismo:

 

Quis Deus que a nova revelação chegasse aos homens por mais rápido caminho e mais autêntico. Incumbiu, pois, os Espíritos de levá-la de um pólo a outro, manifestando-se por toda a parte, sem conferir a ninguém o privilégio de lhes ouvir a palavra.

 

Um homem pode ser ludibriado, pode enganar-se a si mesmo; já não será assim, quando milhões de criaturas vêem e ouvem a mesma coisa. Constitui isso uma garantia para cada um e para todos. Ao demais, pode fazer-se que desapareça um homem; mas não se pode fazer que desapareçam as coletividades; podem queimar-se os livros, mas não se podem queimar os Espíritos. Ora, queimassem-se todos os livros e a fonte da doutrina não deixaria de conservar-se inexaurível, pela razão mesma de não estar na Terra, de surgir em todos os lugares e de poderem todos dessedentar-se nela2. Não será à opinião de um homem que se aliarão os outros, mas à voz unânime dos Espíritos; não será um homem, como não será – qualquer outro, que fundará a ortodoxia espírita; tampouco será um Espírito que se venha impor a quem quer que seja: será a universalidade dos Espíritos que se comunicam em toda a Terra, por ordem de Deus. Esse o caráter essencial da Doutrina Espírita; essa a sua força, a sua autoridade. Quis Deus que a sua lei assentasse em base inamovível e por isso não lhe deu por fundamento a cabeça frágil de um só5. O primeiro exame comprobativo [das mensagens dos Espíritos] é, pois, sem contradita, o da razão, ao qual cumpre se submeta, sem exceção, tudo o que venha dos Espíritos. Toda teoria em manifesta contradição com o bom senso, com uma lógica rigorosa e com os dados positivos já adquiridos, deve ser rejeitada, por mais respeitável que seja o nome que traga como assinatura. Incompleto, porém, ficará esse exame em muitos casos, por efeito da falta de luzes de certas pessoas e das tendências de não poucas a tomar as próprias opiniões, como juízes únicos da verdade. Assim sendo, que hão de fazer aqueles que não depositam confiança absoluta em si mesmos? Buscar o parecer da maioria e tomar por guia a opinião desta. De tal modo é que se deve proceder em face do que digam os Espíritos, que são os primeiros a nos fornecer os meios de consegui-lo3. Uma só garantia séria existe para o ensino dos Espíritos: a concordância que haja entre as revelações que eles façam espontaneamente, servindo-se de grande número de médiuns estranhos uns aos outros e em vários lugares3.

 

Essa [concordância] a base em que nos apoiamos, quando formulamos um princípio da doutrina. Não é porque esteja de acordo com as nossas idéias que o temos por verdadeiro. Não nos arvoramos, absolutamente, em árbitro supremo da verdade e a ninguém dizemos: «Crede em tal coisa, porque somos nós que vo-lo dizemos.» A nossa opinião não passa, aos nossos próprios olhos, de uma opinião pessoal, que pode ser verdadeira ou falsa, visto não nos considerarmos mais do que qualquer outro. Também não é porque um princípio nos foi ensinado que, para nós, ele exprime a verdade, mas porque recebeu a sanção da concordância.

 

Na posição em que nos encontramos, a receber comunicações de perto de mil centros espíritas sérios, disseminados pelos mais diversos pontos da Terra, achamo-nos em condições de observar sobre que princípio se estabelece a concordância. Essa observação é que nos tem guiado até hoje e é a que nos guiará em novos campos que o Espiritismo terá de explorar. Porque, estudando atentamente as comunicações vindas tanto da França como do estrangeiro, reconhecemos, pela natureza toda especial das revelações, que ele tende a entrar por um novo caminho e que lhe chegou o momento de dar um passo para diante. Essas revelações, feitas muitas vezes com palavras veladas, hão freqüentemente passado despercebidas a muitos dos que as obtiveram. Outros julgaram-se os únicos a possuí-las. Tomadas insuladamente, elas, para nós, nenhum valor teriam; somente a coincidência lhes imprime gravidade. Depois, chegado o momento de serem entregues à publicidade, cada um se lembrará de haver obtido instruções no mesmo sentido. Esse movimento geral, que observamos e estudamos, com a assistência dos nossos guias espirituais, é que nos auxilia a julgar da oportunidade de fazermos ou não alguma coisa. Essa verificação universal constitui uma garantia para a unidade futura do Espiritismo e anulará todas as teorias contraditórias. Aí é que, no porvir, se encontrará o critério da verdade. O que deu lugar ao êxito da doutrina exposta em O Livro dos Espíritos e em O Livro dos Médiuns foi que em toda a parte todos receberam diretamente dos Espíritos a confirmação do que esses livros contêm4.

 

Retomando, em A Gênese, esse assunto, Kardec assim se expressa: Generalidade e concordância no ensino, esse o caráter essencial da doutrina, a condição mesma da sua existência, donde resulta que todo princípio que ainda não haja recebido a consagração do controle da generalidade não pode ser considerado parte integrante dessa mesma doutrina. Será uma simples opinião isolada, da qual não pode o Espiritismo assumir a responsabilidade. Essa coletividade concordante da opinião dos Espíritos, passada, ao demais, pelo critério da lógica, é que constitui a força da Doutrina Espírita e lhe assegura a perpetuidade. Para que ela mudasse, fora mister que a universalidade dos Espíritos mudasse de opinião e viesse um dia dizer o contrário do que dissera. Pois que ela tem sua fonte de origem no ensino dos Espíritos, para que sucumbisse, seria necessário que os Espíritos deixassem de existir. É também o que fará que prevaleça sobre todos os sistemas pessoais, cujas raízes não se encontram por toda parte, como ela se dá6.

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS: 

1. KARDEC, Allan. O céu e o inferno. Tradução de Manuel Justiniano Quintão. 58. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. 1ª parte. Cap. 3, item 4, p. 29.
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2. ______. O evangelho segundo o espiritismo. Tradução de Guillon Ribeiro. 124. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Introdução, p. 29.
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3. ______. p. 31.
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4. ______. p. 32-33.
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5. ______. p. 36.
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6. ______. A gênese. Tradução de Guillon Ribeiro. 48. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Introdução, p. 11.
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7. ______. Cap. 1, item 14, p. 20.
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8. ______. Item 16, p. 21.
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9. ______. O livro dos espíritos. Tradução de Guillon Ribeiro. 86. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. Introdução, p. 28-29.
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10. ______. Obras póstumas. Tradução de Guillon Ribeiro. 38. ed.
Rio de Janeiro: FEB, 2005. Segunda parte. (A minha primeira iniciação no Espiritismo),
p. 268.
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11. AMORIM, Deolindo. Análises espíritas. Compilação de Celso Martins. 2. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1995. (Allan Kardec e o espírito científico), p. 133-134.
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12. ENCICLOPÉDIA DELTA UNIVERSAL. Rio de Janeiro: Delta S.A., 1980, vol. 4, p. 2043.
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13. PIRES, J. Herculano. O espírito e o tempo. 7. ed. Sobradinho: Edicel, 1995. 3ª parte. Cap. 1 (O triângulo de Emmanuel), p. 136.
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